Que recordações esta ilustração te trás?
Na infância esta ilustração “morava” ao lado da minha cama. Para que eu pudesse dormir e acordar olhando para ela. E, durante a noite, alimentava meus sonhos.
Outros adultos de hoje, que foram criança nos anos 70, me confidenciaram que agiam da mesma forma em relação a esta ilustração.
Muitos tentavam, nas suas brincadeiras, repetir a cena da ilustração. Outros tentam até hoje, através de trabalhos artesanais, como pode ser visto aqui no site, na seção de artesanais.
As ilustrações das embalagens dos brinquedos de faroeste produzidos pela Gulliver nos anos 70 e 80 sempre foram muito bonitas, muito bem feitas. Certamente ficaram registradas no imaginário de quem foi criança naquela época. E provavelmente foram muito importantes para o grande sucesso comercial que estes brinquedos alcançaram.
E atualmente há aqueles que colecionam brinquedos de faroeste produzidos pela Gulliver, e há, também, aqueles que colecionam caixas. Eu, por exemplo, coleciono ambos.
Passei a minha infância admirando a ilustração acima. Com o tempo percebi que no canto inferior esquerdo da ilustração, quase imperceptível, havia um nome: “Nelson Reis”.
Quem seria este homem?
Com mais tempo ainda, consegui identificar “Nelson Reis”, ou “Nelson R.”, em ilustrações de diversas outras embalagens.
Quem seria este mago dos desenhos?
Sempre tive esta curiosidade, desde que identifiquei a assinatura pela primeira vez, ainda na infância.
Com o surgimento da internet, e dos sites de busca, passei a procurar por informações sobre “Nelson Reis”. Encontrei vários com o mesmo nome, mas nada sobre o desenhista.
Quem seria este homem?
Estaria ainda vivo?
Mais recentemente, em 2006, contatei a Gulliver e perguntei se teriam alguma informação sobre o ilustrador Nelson Reis. A resposta, que tenho guardada, foi direta e objetiva: “nenhuma”.
Pensei comigo: “Como pode a empresa não ter nenhuma informação sobre alguém que produziu ilustrações maravilhosas por quase 20 anos?”.
Mas prossegui na minha busca.
Escrevia em alguns artigos: “se alguém tiver alguma informação sobre o ilustrador Nelson Reis, por favor me enviem”. Nada.
Num dia de outubro de 2007 abro meu e mail pela manhã e lá encontro uma mensagem enviada por “Sérgei Reis”. O Sérgei havia encontrado o meu site ao procurar informações sobre brinquedos de faroeste na internet. Ao ler a mensagem fico sabendo que Sérgei Reis é filho de Nelson Reis.
Respondo ao e mail e combinamos de conversar à noite, por telefone.
Passo o dia pensando: “Será que o pai dele ainda está vivo?”.
Conversamos tarde da noite, depois das 22:30h, e depois das apresentações o Sérgei sugere: “você devia falar direto com meu pai”. Então o Nelson Reis ainda está vivo.
Ligo para o celular do Nélson, são mais de 23:00h de uma noite de tempestade e de falta de luz
Conversamos por cerca de 30 minutos e combinamos de nos encontrar
Nos reunimos para um agradável bate papo na casa do filho dele, Sérgei. Na imagem abaixo estamos eu e o Nelson Reis, sentados no sofá da sala do Sérgei (que fez as vezes de fotógrafo do encontro):
O Nelson Reis é paulistano, nascido em 1937. Está com setenta anos.
Formou-se em desenho com 15 anos de idade, na Escola de Desenho Felisberto Santa Vicca,
Seu pai também era desenhista.
A curiosidade sobre sua experiência escolar é que o curso era de 3 anos. Mas devido ao estupendo talento do Nelson a diretoria da escola o promoveu diretamente do 1º ano para o 3º, contra a vontade do próprio pai do Nelson Reis.
Com 16 anos o Nelson começou a trabalhar com desenho publicitário na rede de lojas “A Sensação Modas”.
A primeira experiência de Nelson Reis com os brinquedos de faroeste foi ainda na década de 1960, com a Casablanca. Nelson desenhou a ilustração da Fazenda Ponderosa, que pode ser vista na imagem abaixo:
Este foi o único trabalho do Nelson para a Casablanca. O Nelson não se recorda como surgiu este contato.
Mas uma coisa é certa – é a melhor ilustração, entre todos os conjuntos lançados pela Casablanca. Foge ao padrão adotado pela Casablanca para as ilustrações dos demais conjuntos, que eram ilustrações com menos detalhes.
Depois deste trabalho, único, o Nelson não teve mais contato com a Casablanca.
Em 1970 o Nelson Reis mantinha um estúdio de desenho publicitário
O Nelson recebe, então, uma solicitação para comparecer a uma fábrica de brinquedos
O Nelson vai cheio de expectativa, afinal, uma fábrica de brinquedos significava uma grande oportunidade para realizar diversos trabalhos.
Ao chegar lá a frustração – a fábrica era a recém inaugurada Gulliver, localizada numa pequena casa de esquina que, segundo o Nelson, tinha mais de 100 anos de idade. Nos fundos da casa um pequeno galpão de madeira onde ficavam as injetoras. Do outro lado da rua, num outro pequeno galpão, a marcenaria.
O Nelson pensou que tinha perdido a viagem ao constatar como eram rudimentares as instalações do seu potencial cliente.
O diretor da nova empresa era Luis Lavin, filho do Sr. Mariano Lavin, fundador da Casablanca.
Ambos conversaram e acertou-se a criação do primeiro desenho, a famosa embalagem do forte apache, apresentada no início deste artigo.
Segundo o Nelson o processo de desenvolvimento da ilustração era relativamente simples – ele o Luis Lavin sempre tiveram muita facilidade de trabalhar juntos, muita sintonia. Reuniam-se, o Luis apresentava verbalmente a idéia geral do que queria. O Nelson produzia 3 ou 4 esboços sobre o que foi discutido. O Luis escolhia um dos esboços. O Nelson produzia o layout em cores, o Luis aprovava o layout, e, então, o Nelson produzia a arte final. O processo todo, entre a primeira reunião e a apresentação da arte final levava cerca de 20 dias. A arte era feita em guache.
Para o seu trabalho o Nelson utilizava as idéias do Luis Lavin, e referências de filmes, livros e revistas.
O Nelson afirma que alertou o Luis várias vezes de que a utilização de “confederados” como denominação dos soldados do Forte apache era incorreta. O Luis respondia: “confederados possui melhor sonoridade”.
Todas as artes finais produzidas pelo Nelson para a Gulliver ao longo dos anos 70 e 80 foram colocadas em molduras e atualmente decoram os escritórios da Gulliver. Na opinião do Nelson, as suas artes finais eram muito mais bonitas do que aparecem impresso nas caixas de brinquedos. O desenho perde qualidade no processo de impressão.
Segundo o Nelson, cerca de 3 anos depois da primeira reunião na Gulliver, a fábrica já ocupava metade do quarteirão.
O Nelson Reis ilustrou para a Gulliver de 1970 até a segunda metade da década de 1980. Não somente a linha de brinquedos de faroeste, mas todas as linhas de produtos da Gulliver. O estúdio do Nelson também era responsável por desenvolver os catálogos anuais e as propagandas de jornais e revistas da Gulliver. No famoso catálogo de 73/74, na capa, o menino da esquerda é Rodrigo Lavin, hoje diretor da Gulliver, e o menino da direita é o Marcelo Reis, filho do meio do Nelson.
Os diretores da Gulliver traziam diversos brinquedos do exterior e, algumas vezes, pediram que o Nelson desenvolvesse ilustrações para produtos nacionais tomando por referência as ilustrações estrangeiras. Nestas oportunidades o Nelson fazia seu trabalho, mas não assinava as ilustrações, pois não eram 100% criação sua. É por isto que há ilustrações sem assinatura.
Um dos trabalhos preferidos do Nelson é a ilustração do conjunto áfrica Misteriosa, abaixo:
O Nelson guarda uma frustração dessa época – aquele que segundo ele foi seu melhor trabalho nunca foi publicado. Contemos a história: o ano era 1977 e a Gulliver estava com tudo pronto para produzir e lançar a série Action Men. O Nelson já tinha finalizado a arte de todas as embalagens da série e, segundo ele, estes desenhos foram seu melhor trabalho. De repente a Estrela lança o Falcon, e todo o projeto do Action Men, incluindo as ilustrações do Nelson, é abandonado.
O estúdio de arte do Nelson Reis não produzia material somente para a Guliver mas, também para diversas outras empresas.
Nos anos 80 o Nelson encerra as atividades em seu estúdio, passa pela experiência de empresário com uma metalúrgica, e acaba indo trabalhar como funcionário em agências de publicidade, primeiro na Fórmula Propaganda, e depois na Denison. Mesmo fora do seu estúdio ele continua a desenvolver algumas ilustrações para a Gulliver.
Em 1993 o Nelson parte para o que, segundo ele, é uma “aposentadoria forçada”. Isto porque, à medida em que a computação gráfica começou a ganhar espaço na ilustração publicitária, os antigos desenhistas começaram a perder seu trabalho.
Seu último contato com a Gulliver foi em 2002/2003 quando se discutia o lançamento de um Forte Apache especial para comemorar os 40 anos do brinquedo no Brasil (completados em 2004). Este projeto foi posteriormente abortado e o Nelson não chegou nem a desenhar a ilustração.
Curiosidade: foi o filho do Nelson Reis, Sérgei Reis (41 anos), quem desenvolveu o padrão de pintura das figuras de faroeste articuladas da Gulliver.
O Nelson deixa a atividade de ilustrador publicitário, por não poder competir com os computadores, e parte para a atividade de ilustrador de livros. Abaixo alguns dos seus trabalhos:
O Nelson realiza ilustrações de capa e de interior para as editoras Ática, Moderna, Saraiva, Paulinas, entre outras.
Segundo ele, quando começou a ilustrar livros em 1993 o mercado era composto por não mais que 10 ilustradores. Mas à medida em que a computação gráfica foi desempregando desenhistas, todos começaram a ilustrar livros, de forma que atualmente há mais de 200 ilustradores de livros no mercado.
A conseqüência disto?
Muita dificuldade em arrumar trabalhos.
Assim, apesar das qualidades de desenhista do Nelson permanecerem intactas, não tem sido fácil arrumar livros para ilustrar.
Abaixo algumas imagens de trabalhos mais recentes do Nelson Reis, que atualmente assina como “N. A. Reis”:
No dia 24 de novembro tive outro prazer – o de receber na minha casa, em Curitiba, a visita do Nelson Reis para passar o dia comigo. Visitamos diversos pontos turísticos da cidade e, também, conversamos sobre brinquedos de faroeste.
Na imagem abaixo o momento em que o Nelson Reis conhece a minha coleção de brinquedos:
Na imagem abaixo o Nelson contempla duas de suas obras:
Na imagem abaixo eu e o Nelson posamos com a sua obra prima:
Na imagem abaixo o momento em que presenteio o Nelson Reis com um Forte apache, para que seja dado ao seu neto:
O Nelson Reis possui 6 livros escritos por ele, ilustrados, mas não publicados. São 3 livros de aventuras para crianças, 2 para adolescentes e 1 para adultos.
Segundo o Nelson, editoras já examinaram o material, gostaram, mas não publicaram. Ainda segundo ele, é necessário um bom pistolão para conseguir ter um primeiro trabalho publicado.
Então senhores, vejam como são as coisas neste nosso Brasil – a pessoa produziu trabalhos maravilhosos ao longo da vida, que contribuíram para vender milhões de produtos. Fez a felicidade de pelo menos duas gerações de crianças, alimentou nossas fantasias, ficou em nossa memória. E com o tempo ele consegue o que? Reconhecimento?
Não senhores.
O que o Brasil devolve para ele é uma tremenda dificuldade de conseguir novos trabalhos, e a obrigação de conseguir um “pistolão” para que alguma editora publique suas obras.
Tivesse o Nelson feito sua carreira no exterior, em um país desenvolvido, e ele seria nome de rua, seria o convidado de honra em encontros de colecionadores de brinquedos, receberia homenagens, e editoras e autores disputariam o privilégio de publicar seus trabalhos.
Mas aqui no país da amnésia nós teimamos em esquecer os que merecem e em idolatrar os que não merecem. Em todos os segmentos da vida, até na política.
Eu fiquei muito feliz em poder escrever este registro sobre o trabalho artístico do Nelson Reis. Quando aquele menino, que ganhou seu primeiro Forte Apache lá pelos idos de 1974, antes de saber ler e escrever, poderia imaginar que seria ele que um dia escreveria este texto sobre o autor daquelas ilustrações maravilhosas?
Quem sabe um “pistolão” de hoje não brincou de Forte Apache na infância? Quem sabe um “pistolão” não lê este artigo?
Marcos Guazzelli
Novembro de 2007