TRIBUTO A NELSON REIS



Vivemos no país sem memória.

Vivemos no país em que a memória, quando existe, é negligenciada e abandonada ao fogo, enquanto a verba pública é roubada e distribuída para os companheiros.

Então, se o país não ajuda, vamos nós ao menos tentar preservar na WEB a memória do Nelson Reis. Nelson Reis, para a nossa tristeza, faleceu no dia 16 de agosto de 2018. Nelson dedicou sua vida à elaboração de ilustrações para embalagens de produtos, para publicidade e para publicações.

Eu não entendo nada de arte, eu não sei avaliar criticamente um trabalho de arte. Eu não sei se tecnicamente o trabalho do Nelson Reis era bom, ou ruim. Mas eu sei que ninguém como ele marcou a vida de tantos milhões de crianças através de desenhos de embalagens que realizou para a Casablanca e para a Gulliver. Inclusive a minha. Para mim não existe artista publicitário melhor do que ele.

Minha fascinação pelos desenhos do Nelson Reis foi instantânea. A cada nova embalagem que descobria, era a mesma reação, eu ficava fascinado. E isto não acontecia só comigo, mas com todos ao meu redor. Tanto que hoje as caixas originais da Gulliver valem tanto ou mais no mercado de colecionadores do que os produtos que cotinham.

Meu primeiro conjunto da Gulliver foi um Forte Apache 1975. E foi meu primeiro contato com o trabalho do Nelson. Eu não conseguia tirar os olhos daquela caixa, ela ficava ao lado da cama para que eu dormisse e acordasse olhando para ela. E o mesmo se repetiu com as caixas dos demais conjuntos que ganhei a partir dali. Eu queria entrar nas cenas retratadas pelo Nelson. Ainda lembro de uma ocasião, nos anos 70, em que eu e a minha avó conversávamos sobre a situação do soldado preso no poste de torturas na ilustração da caixa do Acampamento Apache. Falávamos sobre aquilo como se fosse algo real, como se aquele soldado realmente existisse e estivesse preso.

Foi só em 1976, um ano depois, quando aprendi a ler, que descobri que tinha uma assinatura naquele desenho:

Nelson Reis. Quem seria este homem? Como eu poderia conhecê-lo? A partir dali foram 31 anos pensando nisso. Sabia que não podia esperar nenhuma ajuda da Gulliver (eu tentei). Vasculhei a internet procurando qualquer referência ao desenhista Nelson Reis, e nada. Foi somente em 2007 que recebi um contato do seu filho, e através deste contato consegui finalmente encontrar o Nelson Reis. Foram dois encontros, um em São Paulo e outro em Curitiba. Pudemos enfim sentar lado a lado na minha casa, segurando aquele desenho que me fascinava há 32 anos:

Impressionou-me perceber que o Nelson não tinha a mais remota ideia da repercussão do seu trabalho junto às crianças que tiveram acesso àqueles produtos. Nelson não imaginava que aquilo tivesse marcado a infância de alguém, e que ainda fosse cultuado.

Durante nossos encontros, Nelson até cogitou voltar a produzir desenhos de faroeste para comercializar e complementar sua aposentadoria. Mas nunca tive notícia de que tais desenhos tivessem sido feitos.

Não sei por qual razão não mantivemos o contato. Talvez tenha sido consequência desta vida insana que nos consome integralmente e que acaba nos cegando para a passagem do tempo. Mas o fato é que eu e o Nelson não voltamos a nos encontrar. 

Mas minha admiração pelo seu trabalho jamais diminuiu com o passar dos anos. Mandei emoldurar várias caixas de brinquedos Gulliver, e as pendurei nas paredes da minha casa, de forma que eu literalmente vivo cercado pela obra do Nelson Reis. Assim tem sido há muitos anos. Como eu fazia lá em 1975, até hoje durmo e acordo olhando para a sua obra.

Sabemos que o Nelson Reis fez dois trabalhos para a Casablanca (Ponderosa e Vikings), e diversos trabalhos para a Gulliver, mas eu não saberia precisar exatamente quantos foram. Alguns possuem sua assinatura, outros não. Se alguém souber precisar esta informação, agradeço.

Apresento abaixo uma coletânea dos seus trabalhos para essas duas empresas, sem nenhuma pretensão de ser completa.

Nelson se foi neste agosto último. Mas ainda viverá muitos anos nas nossas memórias, através dos seus trabalhos. E espero que depois de nós existam outros que possam dar continuidade a esta preservação.

O Nelson Reis ficou marcado em nossas memórias de um tempo em que éramos mais felizes, tanto crianças quanto adultos. Felicidade verdadeira, tempo no qual a vida era menos brutal e mais gratificante.

Vai com Deus, Nelson Reis. Tenho certeza que o seu lugar no céu já estava reservado, e agora deve estar encantando a todos aí em cima com a sua arte. Olha que os anjos farão como eu e pendurarão seus trabalhos nas paredes celestiais...

Fica aqui a saudade um fã do seu trabalho, seu admirador há 43 anos.

Marcos Guazzelli

Setembro de 2018





Comentários

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De: Stephan
Outra perda irreparável no gênero Western: https://www.nytimes.com/2020/04/06/arts/television/james-drury-dies.html


De: Stephan
Infelizmente, desta vez perdemos o James West: https://www.nytimes.com/2020/02/08/arts/robert-conrad-dead.html


De: Stephan
E por falar em perdas no gênero Western, mais uma que nos acomete em 2019: https://www.memoriascinematograficas.com.br/2019/07/ator-george-hilton-astro-dos-western.html


De: Serguei A.Reis
Belo texto Marcos! Como vc bem disse, este tempo insano em que vivemos, nos tira a atenção das coisas que realmente importam na vida. Meu pai era um homem desprovido de ambições terrenas. Seu prazer era desenhar e escrever contos, artigos, estórias...Não se enxergava como alguém que tivesse importância, artisticamente falando, no meio publicitário embora fosse vaidoso de seus trabalhos. Nos anos 70, época de muita produção de ilustrações, me lembro que os trabalhos para a Gulliver eram corriqueiros, quase mensais em alguns períodos. Naqueles tempos ( não sei se era comum) mas muitos brinquedos eram lançados e muitos outros eram abortados ( Caso do Action man que a Gulliver lançaria em 1977 e que foi abortado por conta do lançamento do Falcon da Estrela ) e por conta disso tenho na memória inúmeras passagens de trabalhos que foram feitos mas não vingaram. No estúdio da Avenida Ipiranga com a avenida da Consolação e mais tarde ( 1975) no estúdio no bairro da Lapa ambos em São Paulo, foram feitas dezenas de embalagens e catálogos da Gulliver. Era um trabalho que sem duvida , meu pai adorava fazer, pela liberdade que a Gulliver lhe outorgava em desenvolver as idéias a cerca de como deveriam ser tais desenhos. Me lembro de ainda criança meu pai me mostrar alguma ilustração e me perguntar o que eu achava! ( ilustrações da Gulliver claro) Eu sempre aprovava obviamente rsrs. Tenho certeza que ele próprio não tinha a menor noção da importância de sua arte para tanta gente. Agora ele tem ! Obrigado a você Marcos pelo reconhecimento da pessoa e da sua obra e por todos vocês que externaram seus sentimentos pela pessoa de meu pai. Meu muito obrigado a todos !


De: antonio-mauro@uol.com.br
Linda homenagem ao grande Nelson Reis. Enquanto houver um remanescente dos gloriosos anos 60 e 70, amantes dos brinquedos de faroeste, o nome dele não será esquecido. "Viajei" muito nos desenhos dele. Amigo Marcos, precisamos de mais pessoas como você, que preservam a memória desses ícones


De: TADEU TUFIE MAHFUD
Vou deixar mais um comentário aqui para dizer o quanto este tempo precioso que o Guazelli toma para pesquisar e escrever para nos encantar é fabuloso. Me lembro nos anos 70 que ao entrar na mais famosa loja de brinquedos aqui da minha cidade eu "pirava" com os desenhos de caixas de FA. Tenho várias imagens preferidas, mas concordo com o MVF que os indios atravessando o rio e atacando o forte não sairão nunca mais minha mente e vou morrer fascinado por estas memórias que não tem preço! Obrigado Guazelli pelo seu tempo e prazer em partilhar tais memórias conosco. Não tem preço!


De: Fábio Verícios
Nunca soube quem desenhava aquelas caixas maravilhosas que até hoje, nos meus 55 anos de idade, ainda embalam meus melhores sonhos... Excelente homenagem à alguém que fez tanto bem à tantos sem saber. Os anos 60 e 70 foram tão bons que se recusam a entrar no passado, vivem em minhas memórias que, como historiador, membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, repasso ao meu filho e aos mais jovens. A Gulliver e o Forte Apache são parte primordial deste tempo absolutamente maravilhoso.


De: Sylvio Maia
Em tempo...Meus sentimentos aos Reis. Que Deus conforte o vossos corações! Se um dia tivermos um museu do Forte Apache, pode colocar uma estátua do Nelson na entrada principal, convidando a todos para a grande viagem, como ele fazia conosco através de suas embalagens. Parabéns Guazzelli pela ótima e merecida matéria.


De: Sylvio Maia
Parabéns Marcos pela homenagem ao Nelson Reis. Repetir aqui que as caixas desse extraordinário artista, fascinou nossas infâncias de uma maneira espetacular e permanecerá vivo na história dos brinquedos no Brasil, seria enfadonho. A contribuição do Nelson para o sucesso dos conjuntos, principalmente da Gulliver, deve ser sempre destacada. Me lembro quando ví a caixa do Kung Fu na loja em 1976, gostei tanto daquela gravura, que ganhei duas.


De: Cynthia Reis
Marcos, muito obrigada pelo carinho e pela homenagem feita ao meu pai. Agradeço a todos pelas mensagens de conforto. De fato, ele não tinha ideia do quanto marcou a vida de crianças e jovens através de seus desenhos.


De: Adalberto Brassaroto
Marcou a minha infância a imagem do Forte Apache em chamas. Lembro de ficar por longo tempo somente olhando a caixa, viajando.


De: Rodney Bail
Perdemos mais um pedaço da infância este é o sentimento que me passou ao saber da perda do Sr. Nelson Reis aos seus familiares os meus sentimentos. Recordando sobre a infância as caixas que mais me marcaram foram a África Misteriosa e o Zoológico. De todas as imagens que foram lembradas pelo amigo Guazzelli em sua justa homenagem dos anos 60 e 70 acho que não tenho (Tarzan o Rei da Selva e Chaparral última série) dos anos 80 já não acompanhava com tanta atenção mas são sensacionais.


De: Rodney Bail
Perdemos mais um pedaço da infância este é o sentimento que me passou ao saber da perda do Sr. Nelson Reis aos seus familiares os meus sentimentos. Recordando sobre a infância as caixas que mais me marcaram foram a África Misteriosa e o Zoológico. De todas as imagens que foram lembradas pelo amigo Guazzelli em sua justa homenagem dos anos 60 e 70 acho que não tenho (Tarzan o Rei da Selva e Chaparral última série) dos anos 80 já não acompanhava com tanta atenção mas são sensacionais.


De: Serguei A.Reis
Obrigado primeiramente ao Marcos pela homenagem a meu pai e a todos vocês que admiraram seu trabalho nos quase 20 anos em que ilustrou as embalagens da Gulliver. Meu pai era uma pessoa extremamente simples e desprovido de maiores ambições. Amava ilustrar e escrever e realmente não tinha ideia do que seus desenhos provocavam e representavam para as crianças que viveram aqueles dias como todos nós. Eu era criança nessa época e acompanhei não só a feitura de algumas ilustrações como também ia na própria Gulliver no incio dos anos 70 ( 73/74/75...) com meu pai, quando ele ia até lá para conversar com o Luiz Lavin ( Discutiam as artes, os layouts das ilustrações...) enquanto eu ficava em algum canto do escritório brincando com um Batmóvel ou com soldadinhos e índios do Forte Apache ( eu quase sempre ganhava algum brinquedo nessas ocasiões ! ) Enfim, foram anos inesquecíveis. Obrigado a todos ! Que Deus os abençoe !


De: Alberto Cruz
Devido a correria do dia a dia, só estou sabendo agora desta notícia que me deixou triste. Nelson Reis foi e continuará sendo o artista que fez a diferença nas vidas de muitas crianças nas décadas de 60, 70 que foi o meu caso. Sua arte transformou a vida de muitas crianças ao chegar em uma loja e avistar as caixas com os brinquedos. Fica aqui meus pêsames aos familiares e a todos os aficionados ao tema e a arte deste grande artista.


De: Marcos Faria / Angra / RJ
A caixa do Caravana acima e a da Ponderossa pra mim são as mais espetaculares. Mas a tradicional e mais comum do Forte Apache ( com o índios atravessando o rio , não sei se é do Sr. Nelson Reis essa é a cara do forte apache. Em tempo mantenho as minhas como os conjuntos da coleção, sempre em ambiente protegido e embaladas em plástico, no escuro afim de preservar as cores. Quanto ao fabricante nunca teve a preocupação com colecionadores e funcionários de usa época de ouro e colaboradores como Sr. Nelson, imagina pra nós "consumidores". Cabe a nós fazer seu melhor e sua parte, mantendo e agradecendo de certa forma a toda geração que teve o cuidado em preservar nossos itens de coleção que hoje ESTÃO conosco, num futuro será de alguém. E vamos nos visitar e celebrar nossa união e coleções. Gd abç a todos.


De: Tadeu Buono
Obrigado pela atenção Marcos Guazzelli !


De: TADEU TUFIE MAHFUD
Quando criança nunca me ative ao fato de quem era o desenhista das tampas das caixas de forte apache, mas as imagens delas sempre me fascinaram. Fiquei sabendo da historia graças ao site do Guazelli e tudo que sei devo a este site. Com certeza como um artista que fez parte da nossa vida diretamente já merece nosso respeito e admiração.


De: Marcos Faria / Angra / RJ
Marcos, sempre muito acertado em seus pensamentos, as grandes coleções encontram-se na casa de particulares. Acredito ser o sonho (e preocupação de todos nós) a destinação de nossas coleções quando nos formos deste plano, um Museu destinado a brinquedos. Visto tragédia anunciada no Museu do RJ (fato hoje noticiado 06 museus no RJ não tem aval do Bombeiros para funcionar) e a indiferença com nossa própria historia, que virou cinzas, cabe a nós o resgate e cuidados para preservar por mais uns 50 anos a historia de nossa geração e de nossos brinquedos inerente a todos seres humanos. Nelson fez sua parte estamos fazendo a nossa aqui. Obrigado a todos.


De: Marcos Guazzelli
Mazzei, o desenhista Palacios ilustrou a embalagem do Forte Apache lançado em 1989. Abraços.


De: Tadeu Buono
Não vi meu comentário anterior a este , será que não chegou ?


De: mazzei
Bela e merecida homenagem. Parabéns pela escolha do texto, Marcos. Hoje em dia, a arte de Palacios, desenhista do famoso HQ faroeste "Mac Coy", cairia muito bem numa caixa de um forte apache (de madeira, claro).


De: Ronaldo Ognibene
Também sou um grande admirador do trabalho do Nélson Reis,Marcos! Tanto é,que transformei várias destas imagens em posters .Graças a vc descobrimos quem foi esse grande artista.Abç


De: Tadeu Buono
Deixou saudades de suas obras inesquecíveis ! De repente , a Gulliver , em homenagem a ele , tome vergonha na cara , e nos presentei com relançamentos dos clássicos antigos de seus produtos , emoldurando eles com capas do Nelson Reis ! É um sonho , mas pode um dia se tornar realidade ! Assim espero !


De: Stephan
Arte mágica que encantou a infância sadia de muitos...