DUELO NO OK CURRAL



Sabem os leitores que eu sou um saudosista confesso, e bastante antiquado. Tenho saudades de um tempo que não volta mais, um tempo onde, entre outras coisas, tínhamos heróis, e a eles, ao seu exemplo, podíamos recorrer sempre que em caso de necessidade.

Esta tal modernidade trouxe não só uma vida louca, em que vivemos em uma espécie de histeria coletiva, mas, também, uma necessidade de ficar permanentemente revisitando o passado e desconstruindo nossos heróis. O que isto pode trazer de positivo, de bom?

O herói ao menos servia de exemplo a ser seguido. A ausência do herói deixa apenas um vazio, e alimenta a percepção de que a vida não passa de uma vale tudo sem sentido, onde o único objetivo é se dar bem, mesmo que passando por cima dos outros.

Ao mesmo tempo em que a modernidade faz a arqueologia do passado para desconstruir heróis, nos apresenta novos canalhas, como se eles sim fossem os heróis, os salvadores da pátria. Faz sentido em uma sociedade em que os valores estão em decomposição.

Há os que dizem que os trabalhos de Shakespeare não foram escritos por ele, mas por outra pessoa. Isto nunca poderá ser provado definitivamente. Mas ao insistir nesta hipótese, e levá-la para a cultura de massas, estamos apenas contribuindo para desconstruir a figura pública de Shakespeare. A sociedade passa a enxergá-lo com suspeitas, e, de exemplo, vai migrando no inconsciente coletivo para a condição de larápio, de usurpador do trabalho dos outros. Com que propósito? O que isto pode trazer de bom para a sociedade?

Outra desonestidade que se comete em relação ao passado é julgá-lo com os valores do presente. Cristóvão Colombo é um herói? Era. No presente, em vários países, é apenas aquele que deu o pontapé inicial para o extermínio de índios que, antes de sua chegada, viviam num paraíso de paz e harmonia no continente americano. Façam-me o favor, que paraíso? As nações indígenas, de sul a norte, viviam em permanente luta de extermínio recíproco, tomando territórios umas das outras, e promovendo assassinatos em massa, rapto de mulheres, canibalismo. Além disso, a viagem de Colombo foi realizada dentro do contexto e dos valores da época. Julgar este fato pelos valores atuais é desonesto. Fazer isto a partir do conforto dos nossos lares no continente americano é hipócrita.

O mesmo faze-se com a figura do General Custer. “Matador de índios”, acusam. Mas no século XIX era esta a sua missão, era para isto que ele era pago, e sua ação era aprovada pela maioria da população branca. Julguem a pessoa dentro de seu contexto histórico. Sejam intelectualmente honestos.

O que me levou a escrever este texto foi uma afirmação que li recentemente num texto inserido em uma das revistas em quadrinhos que coleciono. Nela estava escrito algo como: “Wyatt Earp saiu como herói do duelo do OK Curral, mas há controvérsias”. Vejo dois problemas nesta afirmação: a) o primeiro é a insistência em revisitar o passado e desconstruir situações, como comentei acima; b) o segundo e deixar no ar um “há controvérsias”. Se há controvérsias, então digam quais são e deixem os leitores julgarem.

A vida humana é cheia de complexidades, e assim é a história. Todos nós temos qualidades e defeitos. O que importa, na minha opinião, é o lado que prepondera. Mas se for vasculhar a vida de qualquer pessoa vão encontrar defeitos, coisas erradas, etc. Tento pautar a minha vida pela ética, pela honestidade e pelo caráter. Mas já cometi meus erros. Pelo viés exclusivo dos erros seria possível me apresentar ao mundo como um canalha. Eu acho isto desonesto não só para a memória da pessoa avaliada, mas também para com a história. O fato é que como não existe ninguém absolutamente perfeito, qualquer pessoa possui um flanco para ser desconstruído por aqueles que pretendem revisitar o passado, o que acaba jogando todo mundo no mesmo saco, heróis e bandidos. Como questionei acima, para quê? O que há de positivo neste propósito?

Wyatt Earp era um homem, assim como nós. Um ser humano, com qualidades mas, também, com falhas. Determinados fatos o alçaram à condição de herói no imaginário coletivo americano, e até em outros países. Nesta condição ele se torna útil para gerações futuras, pois serve como exemplo, como norte moral. Ao vasculhar o seu passado e julgá-lo pelos seus defeitos nós contribuímos para retirá-lo da condição de herói, mas o que colocamos no seu lugar? Nada. Ou, pior, colocamos um desses canalhas modernos que a imprensa ocidental insiste em santificar...

Eu comecei a estudar esta história em 2004 quando, em visita ao Arizona, adquiri livros sobre o assunto. Pode parecer simples, um duelo de poucos segundos, mas a história é cheia de detalhes e complexidades, impossíveis de serem abordadas em um texto curto, como este. Desta forma, o que vou escrever é uma versão bastante resumida dos eventos e, claro, contendo a visão que adquiri dos fatos a partir de meus estudos. Vou, também, defender a memória de Wyatt Earp.

Contexto histórico em Tombstone (não abordarei fatos anteriores)

Tombstone era uma daquelas cidades do oeste americano que cresciam rapidamente, em função da proximidade com minas. Neste contexto, muita gente boa era atraída para a cidade. Mas também vinham os que não prestavam. Tombstone fica próxima da fronteia Mexicana, o que contribuía para atrair bandidos, pois podiam praticar seus crimes em território Americano e se refugiar do outro lado da fronteira Mexicana, ou vice-versa. Podiam, também, praticar o contrabando entre os dois países.

Os irmãos Earp (Wyatt, Virgil, Morgan, Warren e James) eram muito unidos e haviam trabalhado juntos a serviço da lei em várias cidades. Virgil Earp, o mais experiente deles no serviço da lei, era o delegado de Tombstone.

Doc Holiday, dentista, jogador, beberrão e boa vida era amigo pessoal de Wyatt Earp e acompanhou os irmãos em sua mudança para esta nova cidade.

Havia uma sobreposição de autoridade policial, que, na maioria das vezes não é mostrada nos filmes. Virgil Earp, irmão de Wyatt, era o delegado de Tombstone. Mas a cidade fazia parte do Condado de Cochise, e o xerife do Condado era Johnny Behan.

A cidade, e a região, se dividiam entre a atuação de dois grupos principais: os empreendedores, que desejavam fazer a cidade progredir, e só existe progresso dentro da lei, e os criminosos, denominados de “cowboys”. Poderíamos imaginar que a população em geral apoiava os empreendedores e a lei e era contra a ação dos criminosos, mas não foi bem assim. Não foi apenas no século XXI que a população em geral desaprendeu a votar e fazer boas escolhas. O imbecil coletivo vem de longe. Desta forma, os cowboys possuíam muitos apoiadores, entre eles o próprio xerife Behan, que, via de regra, fazia vistas grossas para suas ações criminosas. É possível fazer um paralelo entre a relação xerife Behan X cowboys, com o Brasil atual, onde o crime organizado começa a estender seus tentáculos para dentro do poder público, para contar com a proteção de agentes da lei.

Alguns integrantes dos bandos de cowboys se estabeleciam como rancheiros, e coordenavam suas ações criminosas na região a partir das sedes desses ranchos. Nesta condição de rancheiros eles acabavam movimentando o comércio local, e, desta forma, capturando a simpatia de mais apoiadores. O rancho da família Clanton era considerado o centro de atividades ilícitas da região, basicamente roubo de gado e de cavalos, assaltos a diligências e contrabando pela fronteira Mexicana.

A cidade possuía dois jornais principais: o Tombstone Epitah, que se posicionava francamente a favor dos empreendedores e da ordem legal, e defendia as ações da família Earp para o cumprimento da Lei, e o Nugget, que era editado por um vice-xerife de Behan, e se posicionava a favor do relativismo, dos cowboys e, consequentemente, contra as ações dos irmãos Earp. A cobertura destes jornais sobre os eventos da época é bastante contaminada em função de suas preferências.

Entre os foras da lei duas famílias se destacavam: os McLaury, de Tom McLaury, e os Clanton, de Ike Clanton. Aqui se estabelece um aspecto importante do conflito – foi um confronto entre a lei e o crime mas, também, entre famílias trabalhavam unidas: os Earp de um lado, e os McLaury e Clanton de outro.

Em 2008 o republicano Colin Powel surpreendeu o mundo e, às vésperas da eleição americana, declarou voto para o democrata Obama. Powel poderia até votar em Obama, mas o que surpreendeu foi o fato de ele declarar na imprensa este apoio, mesmo sendo membro do partido republicano. Muitos especialistas se manifestaram a respeito do fato, mas a explicação que mais me convenceu foi a seguinte: a história é escrita pela esquerda e Powel, por estar chegando ao fim da vida, está começando a se preocupar em como será biografado. Desta forma, a tentativa de aparecer simpático à esquerda. Pois bem, a família Earp era de republicanos, e os cowboys eram geralmente eleitores democratas. O xerife Behan era democrata. Talvez esta seja uma das razões pelas quais muitos historiadores modernos insistem tanto de revisitar o fato e tentar colocar os irmãos Earp do lado errado e apresentar os foras da lei como vítimas. É a esquerda fazendo política disfarçada de história.

A atuação de Virgil Earp como delegado invariavelmente levou a muitas situações de tensão com as famílias McLaury e Clanton, e estes começaram a fazer ameaças. A tensão foi progressivamente crescendo ao longo do tempo. Os irmãos Earp apoiavam Virgil, ao passo em que as famílias Mclaury e Clanton estavam unidas contra eles.

Wyatt Earp tinha intenção de ser eleito xerife do condado, e isto o colocava na posição de adversário político do xerife Behan, e ameaça ao seu cargo.

O termo cowboy era utilizado no Arizona do final do século XIX para denominar os foras da lei, sendo que aqueles que trabalhavam honestamente com gado se sentiam ofendidos se fossem chamados de cowboys.

A atuação dos Earp, e a simpatia do xerife Behan pelos cowboys, acabou produzindo uma inimizade crescente entre eles.

Em abril de 1881 a cidade de Tombstone proibiu a circulação de pessoas portando armas de fogo. Esta lei foi reiteradamente desrespeitada por integrantes das famílias Clanton e McLaury, levando a novos conflitos com os Earp, inclusive ao confronto definitivo.

Em julho de 1880 Waytt foi nomeado vice-xerife do condado de Pima, com sede em Tucson. Tombstone pertencia a este condado. A divisão, com criação do condado de Cochise, ocorreu em janeiro de 1881. Em novembro de 1880 o xerife Shibell, do condado de Pima, foi reeleito e, ao invés de reconduzir Wyatt ao cargo de vice-xerife, nomeou Behan. O oponente de Shibell conseguiu provar que a eleição havia sido fraudada pelos cowboys, e anulou-a e elegeu-se xerife em abril de 1881. Nesta data, porém, Behan já havia se tornado xerife do recém criado condado de Cochise, nomeado pelo governador. Wyatt também desejava o cargo, mas, para fazê-lo desistir da disputa pela nomeação, Behan prometeu nomeá-lo vice-xerife, promessa posteriormente descumprida. Para vice-xerife Behan nomeou o editor do jornal Nugget.

O delegado Virgil Earp nomeou os irmãos Wyatt e Morgan como seus assistentes.

Josephine Marcus, mulher de Behan, deixou-o e se envolveu com Wyatt, aumentando as tensões entre ambos.

Doc Holiday deu uma surra em sua companheira. O xerife Behan se aproximou dela e convenceu-a a dar o troco, ou seja, prestar um depoimento envolvendo Holiday com o roubo de diligências. O alvo final era Wyatt, amigo pessoal de Holiday. Testemunhas acabaram comprovando a inocência de Holiday e deixando clara a armação de Behan.

Ike Clanton (um dos líderes dos bandos de cowboys) acusou publicamente os irmãos Earp de serem os responsáveis pelos assaltos a diligências na região. Os Earp encontraram evidências ligando assaltos de diligências a Frank Stilwell, ex-assistente do xerife Behan e amigo dos McLaury. Os cowboys interpretaram as prisões que se seguiram como “perseguição” dos irmãos Earp.

O duelo

Ike Clanton e Tom McLaury chegaram a Tombstone em 25 de outubro de 1881. Apenas os eventos compreendidos entre a noite do dia 25 e a manhã do dia 26 já renderiam um livro. Houve confronto entre Ike e Doc Holiday, sendo que Virgil teve que ameaçar prender os dois, para que parassem. Ike ameaçou Wyatt, dizendo que estaria pronto para ele pela manhã. Ike e Tom passaram a noite jogando e bebendo, até o amanhecer. Virgil Earp ficou na mesma roda de carteado até o dia amanhecer (interessante o fato de que se ameaçavam e, mesmo assim, jogavam cartas juntos por horas). Pela manhã Ike, ainda bêbado, continuou afirmando que a coisa ia pegar fogo assim que os Earps e Holiday aparecessem na rua naquele dia. Às 13h do dia 26 Ike foi visto armado pelas ruas da cidade, o que era ilegal. Virgil e Morgan Earp o prenderam, primeiro dando uma pancada na cabeça (precisou de bandagens). O juiz estabeleceu uma multa de US$25, e logo Ike estava solto novamente. No mesmo momento em que Ike atendia à audiência com o juiz, Wyatt encontrou Tom McLaury armado. Wyatt sacou seu revólver e deu duas pancadas na cabeça de Tom, para desarmá-lo. Tom ficou no chão, com a cabeça sangrando. Tom teve que ir ao médico colocar bandagens na cabeça. Às 14h Billy Clanton e Frank McLaury chegaram à cidade, não depositaram suas armas, e tomaram conhecimento dos incidentes envolvendo seus irmãos. Os quatro se dirigiram para o OK Curral.

Às 14:30h, com a informação de que os quatro estavam armados na cidade, o xerife Behan, simpatizante dos cowboys, resolveu ir até o OK Curral para tentar desarmá-los. Encontrou-os em um terreno vazio na Freemont Street (onde o tiroteio acabou acontecendo mais tarde). Os quatro se negaram a entregar as armas.

O imóvel vizinho a este terreno era o estúdio do fotógrafo C.S. Fly, uma dos mais famosos na história do oeste. Fly também alugava quartos, e um dos seus quartos era alugado para Doc Holiday.

A imagem abaixo representa o exato local do duelo, e a construção verde ao fundo reproduz a casa de C.S. Fly.

Virgil Earp decidiu que tinha que ir até lá desarmar os quatro cowboys. Segundo a história, vários cidadãos se ofereceram para auxiliá-lo nesta missão, mas ele disse que ele, Wyatt, Morgan e Doc Holiday eram suficientes.

Segundo testemunhas, os quatro cowboys gritavam ameaças para os Earp, a partir do terreno onde estavam.

Quando os Earp se aproximaram de onde estavam os cowboys, o xerife Behan deixou o grupo e se dirigiu aos Earp dizendo: “pelo amor de Deus, não vão até lá ou vocês serão assassinados”. Segundo depoimento posterior de Wyatt, o xerife teria informado ter desarmado os cowboys. Ao ouvir esta informação os Earp relaxaram um pouco, e tiraram as mãos dos revólveres, mas continuaram seguindo em direção aos cowboys.

Os dois grupos ficaram a cerca de três metros de distância. Eram 15h.

Virgil Earp gritou “mãos ao alto”, ao que os cowboys responderam realizando movimentos de sacar suas armas. Ike Clanton, que andava pela cidade fazendo ameaças, correu até Wyatt e implorou para não ser morto, dizendo-se desarmado, depois escapou correndo pelo estúdio de C.S. Fly, e acabou não participando do tiroteio.

Os testemunhos são controversos, e não se sabe quem atirou primeiro. O confronto durou cerca de 30 segundos. Frank McLaury, Tom McLaury e Billy Clanton foram mortos. Morgan Earp, Virgil Earp e Doc Holiday ficaram feridos. Wyatt Earp saiu ileso.

Após o duelo

Os aspectos mais interessantes desta história, na minha opinião, ocorreram após o duelo. Creio que a fama de Wyatt Earp se deve até mais aos eventos ocorridos após o duelo, do que ao duelo em si.

O primeiro evento pós-duelo foi o xerife Behan dar voz de prisão para Wyatt Earp (o único ileso). Earp pensou um pouco, olhou para o xerife e disse “eu não vou ser preso hoje”. O xerife, sem coragem, o deixou passar.

Ike Clanton fugiu do tiroteio e sobreviveu. Em 1997 foram localizados documentos que comprovam que o xerife Behan foi o fiador do empréstimo que Ike fez para cobrir suas despesas com o processo judicial que se seguiu. Enquanto vivo, Behan sempre negou enfaticamente que tivesse tido qualquer envolvimento com os custos processuais de Ike.

O xerife Behan negou que tivesse dito aos Earps que havia desarmado os quatro cowboys.

Os corpos das três vítimas fatais do tiroteio foram expostos na janela da funerária sob o título de “assassinados nas ruas de Tombstone”. O cortejo para o cemitério foi acompanhado por cerca de 300 pessoas, enquanto outras 2.000 assistiram das calçadas.

A reação inicial da opinião pública foi majoritariamente a favor dos Earp. No entanto, nos dias seguintes começaram a circular rumores de que os cowboys estavam desarmados e teriam erguido suas mãos para o alto, em sinal de rendição. Neste ponto também é possível fazer um paralelo com o Brasil atual. Eventualmente a polícia se envolve em tiroteios com traficantes e acaba matando um ou alguns deles. A primeira reação da opinião pública é favorável aos policiais. Na sequência a imprensa sobe o morro para entrevistar a população, e, invariavelmente, as declarações são as seguintes: “a vítima era inocente, era trabalhador, era um honesto pai de família, estava desarmado, etc”. Pronto, a opinião pública muda de humor e acaba crucificando os policiais. Invariavelmente. Em todas as notícias de tiroteios e mortes e favelas que acompanhei nos meus 42 anos de vida, acho que nunca vi um caso em que a vítima da polícia efetivamente fosse um bandido ... era sempre um “trabalhador honesto, honrado pai de família”. Passam os séculos, mas as reações da opinião pública seguem o mesmo padrão.

Em 30 de outubro Ike Clanton iniciou um processo por assassinato contra Doc Holiday e os Earp. Wyatt e Holiday foram presos. Virgil e Morgan ainda estavam se recuperando dos ferimentos. O juiz estabeleceu a fiança em US$10,000 (uma fortuna para a época). Empresários de Tombstone se cotizaram para pagar a fiança. A função de Virgil como delegado foi suspensa até o fim do julgamento. O xerife Behan foi a principal testemunha de acusação contra os Earp e Holiday.

Há detalhes contraditórios no depoimento de Behan. Por exemplo, Doc Holiday foi visto por várias testemunhas carregando uma espingarda de cano duplo rumo ao OK Curral, e uma das vítimas de fato morreu com um tiro de uma espingarda como esta. No entanto, segundo Behan, Holiday foi o primeiro a atirar (obrigando os inocentes cowboys a reagir), mas atirou com revólver. Para ser possível, Holiday teria que ter largado a espingarda, sacado o revólver, dado o primeiro tiro, guardado o revólver, pego a espingarda novamente e continuado a atirar. Tudo isto numa fração de segundos, e com balas chovendo sobre ele. No entanto, autores modernos possuem pouca preocupação com a lógica dos fatos, sua missão é transformar Holiday e os Earp em bandidos, que teriam iniciado gratuitamente o tiroteio contra os inocentes. Desta forma, tais autores modernos criaram a tese de que Holiday estava segurando o revólver em uma mão e a cano duplo na outra, e atirava com ambos. Como se fosse possível atirar com precisão com uma cano duplo segurando-a com apenas uma das mãos...

Testemunhas de acusação apresentaram os Clanton e McLaury como cidadãos exemplares, cumpridores da lei, e que nunca criavam problemas nem causavam confusões.

Com base nesses testemunhos o juiz Spicer revogou a fiança e prendeu novamente Wyatt e Holiday em 7 de novembro.

Ike Clanton depôs e negou que desde a noite anterior ao duelo ele estivesse fazendo ameaças de morte contra os Earp. Ike também acusou os Earp de serem os responsáveis pelos crimes e assaltos realizados na região. Por fim, o depoimento de Ike conteve tantos absurdos e contradições, que acabou criando dúvidas em relação à acusação como um todo.

A quantidade de absurdos do testemunho de Ike, somada à leitura de um testemunho escrito de Wyatt Earp, levaram o juiz a revogar a ordem de prisão de Wyatt e Holiday. O julgamento prosseguiu.

Na sequência foram ouvidas as testemunhas de defesa, incluindo uma pessoa que havia chegado à cidade apenas no dia anterior ao tiroteio e, portanto, não havia tomado partido por nenhum dos dois lados do conflito.

A sentença do juiz, do dia 30 de novembro, concluiu pela inocência dos irmãos Earp e de Holiday. Entre outras coisas o juiz escreveu na sentença que, conforme depoimento do legista, os locais dos ferimentos das vítimas indicavam que eles não estavam com as mãos para o alto, como afirmaram as testemunhas de acusação. O juiz concluiu que suas ações ocorreram no cumprimento do seu dever legal (Virgil como delegado e os demais como auxiliares nomeados).

Em 14 de dezembro o juíz recebeu uma carta ameaçando sua vida e lhe sugerindo que fosse embora da cidade. No entanto, decidiu ficar. A vingança contra a família Earp ainda estava por vir...

Na noite de 28 de dezembro de 1881 o delegado Virgil Earp caiu numa emboscada armada por atiradores escondidos e foi ferido. O ferimento resultou na perda permanente do uso do braço esquerdo. Ninguém foi preso pela tentativa de assassinato.

Na noite de 18 de março de 1882 Morgan Earp foi morto com um tiro nas costas. Ele jogava bilhar em um saloon, e o tiro veio de fora do saloon. Ninguém foi preso pelo assassinato.

Nesta altura Wyatt Earp havia sido nomeado ajudante de delegado federal para a região.

Mesmo que houvesse suspeitos para os dois atentados acima, eles possuíam uma rede de proteção, com a participação de membros do poder público e da imprensa, que arrumavam álibis para inocentá-los.

Desta forma, Wyatt Earp percebeu que não poderia depender da justiça para resolver o problema. Percebeu, também, que manter sua família em Tombstone significaria permitir que fossem sendo eliminados um a um. Wyatt então transferiu seus familiares para a Califórnia (onde viveriam pelo resto de sua vida).

Quando o trem onde a família viajava estava parado na estação de Tucson, Wyatt encontrou Frank Stilwell (um dos cowboys, ligados aos Clanton e aos McLaury) emboscado na estação. Wyatt, Holiday, Warren Earp e dois auxiliares conseguiram perseguir Stilwell e matá-lo. Imediatamente o juiz de Tucson emitiu ordens de prisão para os cinco envolvidos no tiroteio.

Wyatt, contudo, decidiu ignorar a ordem para a sua prisão e tomar a solução do problema nas suas próprias mãos. Ele, Holiday e auxiliares retornaram para Tombstone para dar início à perseguição daqueles que, segundo ele, eram os responsáveis pelos atentados contra sua família. Ao passarem por Tucson, o xerife Behan tentou prendê-los, mas foi ignorado. Era um frouxo.

Wyatt iniciou então uma perseguição sem pausa que durou de 20 de março a 14 de abril de 1882. Encerrada a missão, Wyatt e seus auxiliares tiveram que deixar o Arizona para nunca mais voltarem, para não serem presos.

Behan formou um grupo de mais de 20 homens, incluindo foras da lei, para perseguir o grupo de Wyatt, mas este grupo mais numeroso nunca conseguiu entrar em combate com Earp.

Num local chamado South Pass o grupo de Earp matou Florentino Cruz.

Dois dias depois o grupo de Wyatt surpreendeu um acampamento de cowboys em Iron Springs. Houve tiroteio. Os integrantes do grupo de Wyatt acabaram se retirando do combate, por falta de local para cobertura, mas Wyatt permaneceu, sozinho, respondendo ao fogo dos Cowboys. Wyatt matou Curly Bill Brocius com um tiro no peito.

Uma chuva de balas caía sobre Wyatt. Seu casaco longo ficou como uma peneira, todo furado de balas. O salto de sua bota também foi atingido, assim como a sela de seu cavalo. Wyatt continuou respondendo ao fogo, e ainda baleou Johnny Barnes no peito e Milt Hicks no braço.

Johnny Barnes se recuperou mas, mais tarde, morreu em decorrência do ferimento. Fred Dodge, que era um agente da Wells Fargo, infiltrado no bando de cowboys, informou que ouviu Barnes contar que ele havia participado da emboscada a Virgil Earp. Estava feita a vingança.

Wyatt Earp viveu até 1929, passando por vários estados com sua companheira Josephine Marcus (ex de Behan). Na década de 1920 Earp freqüentava os estúdios onde eram produzidos os filmes mudos de faroeste. John Wayne era um assistente de produção e, nesta condição, viu Earp várias vezes. Mais tarde Wayne revelaria que se inspirou em Earp para compor o seu tipo de cowboy, que apresentava nas telas.

O próprio partido não permitiu que o xerife Behan concorresse à reeleição em 1882. Behan nunca mais ocuparia um cargo de agente da lei.

Ike Clanton morreu em 1887, em um tiroteio com agentes da lei.

Minha conclusão sobre os eventos

Wyatt Earp não era santo. Tampouco tinha a pretensão de ser herói. Contudo, ele e seus familiares sempre trabalharam a serviço da lei.

Foram atraídos para Tombstone em função das oportunidades que a cidade oferecia. Lá encontraram uma situação complicada. De um lado, os que queriam que a região prosperasse, e progresso só existe sob o império da lei. De outro lado, um grande grupo de criminosos, com simpatizantes, rede de apoio, tentáculos na polícia (xerife Behan) e na imprensa (jornal Nugget).

No cumprimento do dever surgiram diversas situações de conflito entre os Earp e os criminosos.

Desafiados e ameaçados, resolveram aceitar o desafio e comparecer ao OK Curral (na verdade num terreno baldio atrás do OK Curral). Lá encararam homens armados e resolveram a questão na bala.

Tiveram contra si a opinião pública, sempre tão suscetível a manipulações de ocasião (Jesus Cristo que o diga). Foram julgados e absolvidos.

Membros da família Earp começaram a ser eliminados. As autoridades e o sistema judicial não promoveram a resposta que a situação demandava.

Wyatt Earp se viu então forçado a resolver a questão por conta própria, À sua maneira. Mais uma vez partiu para o combate e se colocou frente a frente com homens armados, resolvendo a questão à bala.

Após estes fatos ele ainda viveu por 47 anos, e não mais se envolveu em tiroteios e assassinatos.

Em minha opinião Wyatt Earp foi um homem que esteve à altura da situação. Não fugiu aos desafios, e enfrentou as circunstâncias adversas, da forma como foi possível enfrentá-las.

São os “wyatt earps” que impuseram a lei e a ordem nos Estados Unidos, construindo a base para que esta nação viesse a se tornar a maior potência econômica do planeta, e líder do hemisfério ocidental. Homens como Wyatt Earp foram o alicerce da sociedade americana.

Como disse na introdução deste texto, são homens como Wyatt Earp que os “modernos” teimam em revisitar, para tentar desconstruí-los. Em seu lugar colocam canalhas, vermes, homens que só existem porque antes deles houve “wyatt earps” para limpar o terreno. Homens que se pretendem senhores de tudo, sabedores de tudo, a partir dos confortos de suas poltronas macias, na segurança dos seus gabinetes, cercados por seguranças. Homens cujo único perigo que enfrentam é o seu próprio reflexo nos espelhos.

Que esperança há para uma sociedade que desconstrói seus heróis e os substitui por canalhas? Na minha opinião, nenhuma. É por esta razão que vejo com bastante preocupação o futuro da civilização ocidental. Creio que estamos em franca decadência. Enquanto outros povos estão em ascensão, e vão liderar o mundo no futuro, de acordo com as suas regras, os seus valores, as suas culturas.

Bem, como este é um site de brinquedos de faroeste, apresento na sequência algumas imagens de brinquedos ligados ao duelo do OK Curral e seus personagens. Apreciem.

http://dtmodels.net/blog/2011/06/02/1-16-diorama-gunfight-at-the-ok-corral/

http://bennosfiguresforum.com/viewtopic.php?f=2&t=5649

http://www.hobbybunker.com/products/wyatt-earp-4534

http://www.amazon.com/Wild-West-OK-Corral-3-Pack/dp/B000NJA08U

http://tommyatkins.com/ok-image.html

http://plasticbattalion.blogspot.com/2011/06/ok-corral-from-tssd.html

http://www.etsy.com/listing/72443060/vintage-gunfight-at-ok-corral-game

http://www.hobbybunker.com/products/doc-holliday-4535

http://marxwildwest.com/inventory3.html#Wyatt_Earp_Character_Figure

http://www.onesixthwarriors.com/forum/sixth-scale-action-figure-news-reviews-discussion/90962-doc-holiday-bash.html

http://www.steelmodels.com/ANDREA-MINIATURES_AndreaMiniatures-54-mm-Wyatt-Earp.2.1.21.gp.8424.-1.uw.aspx

Até a próxima!

Marcos Guazzelli

Novembro de 2011





Comentários

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De: Runnerba
EXCEPCIONAL texto, onde sempre é bom ver A OUTRA VERSÃO DOS FATOS que não a contada pela esquerda.


De: Sylvio Maia
Show de bola! Sem cometários!


De: Jean Carlos
Caro Guazzelli, já "naveguei" por toda Internet de língua portuguesa à caça de (raros) bons artigos sobre a história do Velho Oeste e, permita-me dizer, este artigo sobre o O.K. Curral e o anterior, sobre o Little Bighorn, são os melhores que eu já li, sem sombra de dúvida! Parabéns por seu talento de historiador amador, e também por sua visão política/social, que é irrepreensível. Que venham outros estudos maravilhosos como este! Um grande abraço!


De: jose
Mais um texto antológico e escrito de forma a parecer que voce esteve no local dos acontecimentos. Vidas passadas? Texto com opinião forte,claro,esclarecedor,algo de csi(?) e de perspectivas. Guazzelli, já pensou em mandar este e outros textos para o History Channel? Pelo que descreve(little big horn e ok curral) voce daria um otimo roteirista e apresentador de algum tipo de série tipo "grandes batalhas" do history. Digo isso porque já vi um programa apresentado pelo joão barone(paralamas) sobre segunda guerra. Já pensou em roteirizar,ver se alguem se interessa em fazer uma animaçao por computador e voce apresentar um eventual episódio? Sugiro a começar por ok curral. Depois little big horn. Por fim, apesar de o tema ser faroeste, em escrever algo sobre o alamo, sobre a guerra americana-mexicana e a guerra do paraguai, faz da forma como faz, com enfase nos combates que descreve como se estive lá na frente de batalha.


De: Mario Vaz
Parabéns meu amigo, bela matéria.Só podias ser colorado!


De: CARLOS EDUARDO
POXA AMIGO,O SITE CADA DIA MELHOR E DEPOIS DAS ÚLTIMAS FOTOS,ACHEI MAIS UMA QUALIDADE TUA,ÉS COLORADO! UM ABRAÇO.